28/06/2024 às 11h58min - Atualizada em 29/06/2024 às 00h20min

O que ficará após o fim das ações de marketing do Mês do Orgulho?

Por: Bruno Aguilera

MATHEUS DUARTE
Reprodução

Todos os dias, por volta de 8h, a bandeira brasileira é hasteada nos prédios governamentais de Brasília e flamula no horizonte do cerrado brasileiro, orgulhosa, até 18h, quando é recolhida. É um ritual marcado pela pompa dos soldados prestando continência para a bandeira e que passa uma ideia de orgulho e respeito pela pátria. A despeito disso, diariamente, o Brasil é vítima de desrespeitos em diversas áreas.

Em junho, ocorre algo parecido com o movimento LGBTQIAPN+. É o chamado mês do Orgulho, quando a sociedade é convidada a pensar no desrespeito e preconceito que milhões de brasileiros sofrem por conta de uma orientação sexual ainda vista como “fora do normal”. Nesse período, as redes sociais são inundadas de cores e hashtags que transbordam “orgulho gay” e “inclusão”. As “novas” letras adicionadas à sigla são muito bem explicadas. Arco-íris estarão em todos os lugares e muita gente, empresas e marcas, aproveitam a data para ostentar seu engajamento na causa – que nem sempre é legítimo.

Vemos diversas campanhas de marketing que vendem a ideia de responsabilidade social e respeito à diversidade. Boa parte costuma atingir um relevante êxito e realmente chama atenção para questões fundamentais. Algumas delas vão além e criam ações verdadeiramente afirmativas, com capacidade para melhorar vidas.

O problema é que nem todas essas ações entram na cultura das empresas e das pessoas. Assim que o mês acaba, esforço vem abaixo junto com a bandeira. O que resta é um saldo positivo de publicidade institucional, que não tem um real impacto quando o calendário passa a marcar primeiro de julho.

Se, em Brasília, as bandeiras sobem e descem todos os dias e o Brasil continua sendo um país injusto e desigual, no caso do movimento LGBTQIAPN+, após o Mês do Orgulho, o desrespeito permanece.

O Brasil é um dos países mais violentos do mundo com sua população LGBTQIAPN+. No ano passado, foram registradas 230 mortes violentas, segundo o “Dossiê de Mortes e Violências LGBTI+”. Desses casos, foram 184 assassinatos, 18 suicídios e 28 de outras causas. Os mais vulneráveis foram travestis e mulheres transsexuais, com 142 mortes. Em seguida, gays (59 casos), homem trans e pessoa transmasculina (13), lésbicas (7) pessoa não-binárie (1).

Um mês e algumas ações de marketing não bastam para transformar empresas em atores de mudanças estruturais para este público.

Claro que nem toda a responsabilidade pode ser jogada nas companhias. Mas e dentro delas? As campanhas criam um ambiente acolhedor? Um estudo de 2021 feito pela Mais Diversidade com 2.168 profissionais, mostrou que só 39% LGBTI+ disseram que preferem falar sobre orientação sexual e diversidade de gênero com pessoas mais próximas do que com a sua liderança. Quando perguntados sobre o que é mais importante no trabalho, 74% disseram ambiente inclusivo e, 54%, mais referências LGBTI+ na liderança e, 45%, oportunidades de desenvolvimento de carreira.

Diante desses dados, a pergunta que se impõe é: o que torna uma empresa realmente inclusiva e diversa? A resposta pode surpreender.

Por mais simples que pareça, são as ações básicas que criam um ambiente acolhedor. Tudo começa com um olhar para dentro. Entender que o tema da diversidade é relevante e, se ainda for secundário, buscar sponsors nas lideranças com poder de criar ações afirmativas. O importante é a constância e a consistência na forma como o problema é tratado.

Fundamental, também, é o fortalecimento de uma cultura de respeito. Workshops são importantes, mas ações concretas é que fomentarão a inclusão real. Por exemplo: a garantia de licença paternidade/maternidade para casais homoafetivos (inclusive) adotantes; estender o convite de confraternizações a todos os tipos de relacionamentos afetivos. Uma mensagem que deixe as boas-vindas claras sempre encorajará profissionais LGBTI+ a convidar cônjuges. Criar banheiros multigêneros e permitir a utilização do nome social são outras ações simples e efetivas.

Sem entrar no debate sobre cotas, é preciso um esforço consciente para retirar os vieses negativos em recrutamentos e seleções dirigidos a grupos menorizados, principalmente mulheres trans e travestis. E até ir além: realizar processos seletivos focados nesses grupos.

As empresas também devem educar as pessoas para o fim de comportamentos discriminatórios e ofensivos. Por exemplo, proibir piadas com grupos menorizados, mesmo quando não estejam presentes – e punir as ocorrências delas. O famoso “o mundo está chato” só é argumento para quem nunca foi ofendido por simplesmente ser quem é.

E o melhor: essas ações não têm custos elevados. É barato ser mais diverso, ainda mais considerando ganhos de produtividade já comprovadamente advindos da atuação de times marcados pela diversidade.

Portanto, quando as bandeiras forem recolhidas, algo deve permanecer: e, o que nós queremos é um ambiente seguro, respeitoso. Isso sim é motivo de orgulho.

*Bruno Aguilera é gay e gerente de marketing da NTT DATA Brasil


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MATHEUS DUARTE DE SOUZA
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