25/06/2024 às 15h06min - Atualizada em 28/06/2024 às 04h13min

Proibição do aborto legal após 22 semanas: pretensão real ou cortina de fumaça? 

*Jennifer Manfrin 

VALQUIRIA MARCHIORI
Rodrigo Leal

Nos últimos dias, ganhou grande destaque o PL n. 1904/24, que equipara o aborto ao crime de homicídio simples, mesmo em casos de gravidez decorrente de estupro, se realizado após 22 semanas de gestação. A pena prevista seria de 6 a 20 anos, e isso significa, em suma, que uma mulher estuprada, que realiza o aborto após 22 semanas de gestação, pode ter uma pena maior do que a do seu estuprador, que tem pena de 6 a 10 anos.  

O texto foi aprovado com urgência, sem passar pelas comissões temáticas. A ideia de retroceder em uma prática estabelecida desde 1940, parece mais uma “cortina de fumaça” do que uma intenção genuína. Isso porque é evidente que nos casos do atual aborto legal as situações da vida cotidiana são impostas e tornam mais complexo o reducionismo temporal de 22 semanas. 

Sabe-se, por exemplo, que 70% dos estupros acontecem dentro de casa, e as vítimas são, em sua maioria, menores de idade, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Portanto, muitas vezes dependentes financeiramente e aprisionadas psicologicamente por seus agressores. Assim, condicionar o aborto nesses casos a um prazo específico é o mesmo que violar novamente meninas e mulheres que dependem da proteção estatal para se recuperar de um dos maiores traumas que podem acontecer na vida de uma pessoa.  

Além disso, o projeto flerta diretamente com a inconstitucionalidade, já que para alguns juristas, o aborto em casos de estupro é uma cláusula pétrea, e assim, um direito e garantia individual, vinculada diretamente à dignidade das pessoas. Dessa forma, não pode ser modificada, restritivamente, nem mesmo por meio de Emenda Constitucional, quiçá por lei.   

Ao que parece, o Legislativo aproveita uma oportunidade para surfar em uma norma produzida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), proibindo médicos de realizarem a assistolia fetal em casos de aborto previstos em lei, oriundos de estupro, e que é uma recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) para casos de aborto legal acima de 22 semanas. A norma é tão absurda que foi rapidamente suspensa pelo Ministro Alexandre de Moraes do STF.  

Tudo isso nos leva a um importante questionamento: será que a Câmara realmente pensa em criar um retrocesso de 84 anos, ou há algumas outras discussões importantes sendo travadas pelo Legislativo, e esse tema está sendo levantado como uma distração para a população? Os representantes populares também terão que lidar com a reação pública, rapidamente acionada, após um projeto de lei polêmico ser acelerado sem consulta alguma aos setores da sociedade.  

De uma forma ou de outra, é interessante notarmos que hoje, quem legisla sobre os direitos das mulheres são os homens. Em 2022, dos 513 deputados, apenas 91 eram mulheres, e essa proposta teratológica foi apresentada por um deles. Isso precisa ser objeto de reflexão em uma sociedade que é majoritariamente feminina. Já passou da hora de colocarmos mais mulheres para nos representar no legislativo, afinal de contas, nenhum homem no mundo é capaz de imaginar o que representa uma gravidez decorrente de um estupro.  

*Jennifer Manfrin é advogada, especialista em Direito Aplicado e professora nos cursos de pós-graduação em Direito do Centro Universitário Internacional Uninter. 

 


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VALQUIRIA CRISTINA DA SILVA
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