*Márcia Oliveira
O rio Branco secou... E não podemos dizer que a extensão drástica do período de estiagem no norte de Roraima que perdura desde fins de julho de 2023 é resultado apenas do El Niño. Incêndios, desmatamento, drenos de lavoura e garimpos favorecem estiagem e enchentes em Roraima.
A Bacia do Rio Amazonas registra níveis abaixo da normalidade para o período, em algumas estações, o curso d’água registrou a segunda maior seca, com a marca de -39 centímetros.
É resultado do modelo de agronegócio que invadiu a região nos últimos anos com produção de soja, milho e arroz para exportação. Esse modelo, além de utilizar uma quantidade imensa de veneno/agrotóxicos, que contamina as águas, a terra e o ar, tem interferido no ecossistema do lavrado com técnicas de outras regiões que arrebentam o bioma: a abertura e o asfaltamento de estradas em todo o território apresenta impactos enormes no ecossistema; as escavações para drenagem das área de banhado que são essenciais para a manutenção da reserva de águas nos lagos naturais do lavrado; o assoreamento dos pequenos igarapés; a derrubada dos buritizais responsáveis pela manutenção dos ciclos das águas; a construção de transposições das águas dos rios como o Uraricoera com grandes canais de irrigação; a derrubada e a queimada dos poucos vestígios de floresta; o corte da vegetação do lavrado (vegetações de pequeno, médio e grande porte, como por exemplo, gramíneas, caimbés, paricaranas e muricizeiros), são impactos que provocam essa severa seca.
A retirada de toda a vegetação e a técnica da revirada do solo com nivelamento para plantio de espécies exógenas tem resultado na desertificação de boa parte do lavrado. Diversas áreas de difícil recuperação. Porém, para complicar ainda mais o processo de destruição do lavrado, depois que o solo deixa de produzir de acordo com a ganância dos empresários, os campos são transformados em pastagem. A produção de gado para corte no estado tem crescido assustadoramente, de modo especial com o incentivo do atual governador do estado que é o maior produtor de gado de Roraima.
O gado contribui para o decreto de morte do lavrado, porque vai compactando o solo que termina como um grande bloco de concreto. Assim, enquanto os grandes empresários do agronegócio celebram seus lucros a cada ano, os povos das cidades e do campo amargam a escassez de alimentos e de água. Simultaneamente, os garimpos criminosos nas áreas de floresta vão contaminando as águas e os povos indígenas, derrubando a floresta, abrindo crateras, espalhando malária e toda sorte de doenças.
Assim se intensificam os deslocamentos migratórios dos campos e das florestas para as cidades que crescem assustadoramente e sem oferecer as condições de sobrevivência para os migrantes que chegam.
*Márcia Oliveira, Professora da Universidade Federal de Roraima (UFRR), pesquisadora do Observatório das Migrações em Rondônia (OBMIRO/UNIR). Assessora da Rede Eclesial Pan-Amazônia (REPAM-Brasil) e da Cáritas Brasileira.